Enquanto assistimos o encerramento do processo eleitoral, satisfeitos com mais uma demonstração que indica um caminho de consolidação da forma democrática no país, ainda tão recente, ainda tão desafiadora, surgem manifestações que não passam despercebidas, ou não deveriam.
A jovem estudante de direito que resolveu, através da internet, manifestar adjetivos insólitos aos nordestinos, por conta do resultado eleitoral, merece repúdio por afirmações infelizes, que denotam, muito mais que um sentimento semeado durante a própria campanha, pelo representante da oposição, que pretendeu enterrar o debate político e dar vida a um discurso perigoso e velho conhecido, dos habitantes abaixo da linha do equador.
O inconformismo da menina, imediatamente com os nordestinos, é mediato dos conservadorismos que se tentou colocar na gaveta e lá cerrá-los, tamanha vergonha ele produz. É a herança de um passado de obscurantismos que deu conta de uma cultura determinista, que pensa a sociedade brasileira atual, nos padrões aqueles que as elites dominantes até décadas recentes, apresentaram como únicos. Entre os quais, a idéia de que a pobreza latente neste país era intransponível e que a distribuição das riquezas, que todos produzem, eram bens naturalmente exclusivos das classes já mais privilegiadas.
O inconformismo dela, embora tosco, é o não aceitar que a prática cotidiana provou que outros caminhos são possíveis. Que não há predestinação quando de trata de promover acesso ao direito universal, preconizado pelo direito contemporâneo, na compreensão de que a promoção da dignidade humana é um desafio a ser superado pelas sociedades desenvolvidas. E que promover isso, é também, enfrentar as desigualdades sociais, de modo que, todos tenham acessos aos bens que condicionam uma vida digna, e de que o Estado deve ser um instrumento para alcançar tal status. De forma que aqui, tornar-se um debate de classe, daqueles que insistem em tratar esta sociedade complexa, no paradigma do privilégio que não se justifica mais, frente a tantos outros, que não desistiram de fazer o impossível, possível.
A inversão das vocações do Estado, que incomoda a jovem, traduzido de forma lamentável pela sua inadmissível manifestação, é algo que me incomoda também, mas em diferente perspectiva. Incomoda o sentimento reacionário que impregna a juventude e os isenta de um papel fundamental nas necessárias transformações sociais que precisamos ver acontecer. Incomoda ver que o processo eleitoral serviu também para abrir esta gaveta cerrada do nosso passado, onde a intolerância, a xenofobia e preconceito, são pressupostos para rasgar as garantias constitucionais que conquistamos a duras penas e a custa de muitas vidas.
Mas por mais que incomode tal atitude, serve para deixar-nos alertas, quanto à necessidade de zelar pela democracia como um bem, que não pode ser ameaçado, pelos neo-conservadores de ocasião, e que não pode retroceder, pois foi através dela que iniciamos nossa tão curta e tão desafiadora trajetória de conquista de uma igualdade substancial.
Ademais, se a jovem não sabe fazer contas, não foi apenas os nordestinos que escolheram a presidente eleita. Entre os supostos superiores eleitores da região sul e sudeste estão espalhados vários, que escolheram as mudanças que estão construindo um novo país, e que elegeram a presidente em importantes colégios eleitorais, nestas regiões afora o nordeste. Assim, vai ser difícil a pretensa jovem cumprir seu desejo separatista, pois em todas as regiões estão estes, que mais uma vez venceram o medo, mais uma vez venceram as mentiras reiteradas que rebaixaram a campanha e tentaram enterrar o bom debate político de rumos do país. Venceu a esperança, venceu a verdade, venceu a democracia. Talvez seja mais fácil a jovem separar-se de seu ranço conservador e descabido na nossa sociedade. Pois se foi a consciência nordestina que venceu a eleição, somos todos nordestinos.
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