terça-feira, 23 de novembro de 2010

Aspectos processuais e Eficácia da Lei Maria da Penha

INTRODUÇAO

O presente trabalho tem por objetivo analisar os aspectos processuais da Lei 11.340 de 2006, intitulada por Lei Maria da Penha, que trouxe ao âmbito normativo a tutela às mulheres vitimas de violência doméstica e familiar. A partir dela se introduziu no ordenamento jurídico previsões que tem desdobramentos em diversos ramos do direito: direito penal, direito civil, administrativo, entre outros. Fruto desta característica, a Lei Maria da Penha, tem incidência hibrida e desafia os operadores do direito a uma atuação multidisciplinar no intento de garantir sua eficácia.
A positivação da proteção à mulher vitima de violência, decorre da necessidade de abarcar no âmbito dos interesses públicos o enfrentamento a esta forma de violência especifica tratando, portanto, este problema social, que até então ficara relegado ao espaço das relações privadas. Esta concepção é sem duvida, êxito das mobilizações sociais, dos movimentos feministas e de mulheres, que nas ultimas décadas vem denunciando as formas de violências em que elas ficam submetidas. Especialmente no espaço das suas relações de afeto mais próximas, onde majoritariamente figuram como agressores aqueles que são seus companheiros, maridos, enfim pessoas das mais íntimas relações. Esta afirmação fica evidentemente exemplificada na história da mulher, brasileira, que dá nome a referida legislação, que fez da sua tragédia pessoal, uma atuação que colaborou para o avanço na proteção de milhares de mulheres.
Interessa para este trabalho verificar, inicialmente, as características desta violência específica, que deu origem a esta legislação especial. Buscando na segunda parte deste estudo, tratar objetivamente dos aspectos processuais, daqueles que foram formulados pelo legislador quando da aprovação da Lei em 2006, analisados em conjunto com as formas, que vem sendo consolidada no âmbito prático, a sua aplicação.


I. A VIOLENCIA OBJETO DA LEI MARIA DA PENHA

A violência que objetiva ser enfrentada, através da Lei Maria da Penha, é aquela exercida contra as mulheres, nas relações privadas, denominada por violência doméstica e familiar, e de forma mais abrangente: violência sexista . Propriamente por conta de que, é o elemento de gênero que tende a determiná-la. O bem tutelado, é portanto, a dignidade da mulher, para além do aspecto físico, alcançando sua integridade moral e material. Esta forma de violência específica, que não se restringe a violência física, posta como objeto de análise, conduz a afirmação de que são as relações de poder que se estabeleceram e se modificaram ao longo da história, entre homens e mulheres que fundamentam tal violência.
Deste modo, a base material para os processos de violência sexista, são estas relações hierarquizadas e valorizadas distintamente, para homens e para mulheres, em espaços determinados pela construção de esferas de relações públicas e relações privadas. Dito de outra maneira, o que sustenta a existência da violência contra mulher são as relações desiguais que se processam no âmbito concreto entre os diferentes gêneros. Conforme afirma Faria, (2005, pg. 23): “A violência doméstica e sexual, ou violência sexista, é a expressão mais dura da opressão das mulheres. Sabemos que é fruto das relações desiguais e de poder entre homens e mulheres, que expressam de forma mais contundente as contradições dessa relação de poder”.
Decorrente de uma cultura patriarcalizada, a desigualdade que advém das relações de gênero, conta também com um elemento de naturalização, a partir do qual se tornou possível, encobrir a realidade de violência por longo tempo e tratá-la como parte natural dos destinos das mulheres, fazendo disso, um ciclo ininterrupto de sofrimentos e distanciamento das mulheres de uma experiência digna de vida.
A naturalização da violência se dá pela naturalização das desigualdades entre homens e mulheres. E conta com instrumentos constitutivos das relações entre os indivíduos na sociedade pelas quais se atribuem papéis diferentes aos gêneros, apresentados ora como destino, ora como determinação biológica. Estes papéis socialmente construídos orientam os homens para uma atuação na esfera pública, da produção, do provimento, enquanto às mulheres para os espaços privados, as tarefas de reprodução e manutenção do espaço doméstico e da família.
Aliada à naturalização destas desigualdades, que por muitas vezes faz da vitima culpada, está à impunidade, que permitiu a banalização da necessidade de tratamento da violência como questão de interesse coletivo. No que pese que o próprio ordenamento jurídico, já tratasse da proteção da dignidade de todos, incluindo a proteção as mulheres, o célebre adágio popular “em briga de homem e mulher ninguém mete a colher”, fez com que esta forma de violência especifica, ficasse a margem de um tratamento especifico por parte do direito enquanto interesse público. E assim associando esta violência a larga impunidade, onde os agressores atuavam, presumindo a falta de sanção mais efetiva, as mulheres situam-se em permanente estado de insegurança, coação e ameaça, perante as condutas violentas.
No Brasil , identificam-se altos níveis de violência doméstica e familiar e seguindo uma tendência pela natureza de tal fenômeno, tem como agressores as pessoas das suas relações de afeto, maridos, companheiros, amantes, parentes. De tal forma que o monitoramento da aplicação da Lei Maria da Penha, reiteram as informações das pesquisas realizadas, anteriores a ela, quando demonstram que a incidência da Lei recai justamente nos casos em que as relações entre os sujeitos que mantém se pela afetividade.
Resta então, finalidade de grande dimensão, justificando a necessidade de uma legislação especial, que tratasse dessa violência que se consolidou como componente das relações de gênero. Isto foi possível pelo reconhecimento de que determinadas condicionantes, para o acesso a um status de dignidade e igualdade, devem ser viabilizados no âmbito dos interesses públicos e coletivos. No aspecto normativo, estas exigências foram trazidas pela Constituição Federal de 1988, que tratou na ordem dos direitos fundamentais e os objetivos da república a dignidade da pessoa humana e a igualdade, como pressupostos de realização da sociedade democrática.

O que se percebe, em última análise, é que onde não houver respeito pela vida e pela integridade física e moral do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, onde não houver limitação do poder, enfim, onde a liberdade e a autonomia, a igualdade (em direitos e dignidade) e os direitos fundamentais não forem reconhecidos e minimamente assegurados, não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana e esta (a pessoa), por sua vez, poderá não passar de mero objeto de arbítrio e injustiças. (SARLET, 2004, pg. 59)

Em reconhecimento a exigência de que o direito se ocupasse da violência sexista, como violência especifica, tem-se na ratificação pelo Brasil da Convenção Interamericana para Prevenir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará) que colocou o desafio de reconhecer nesta forma de violência específica um impedimento de acesso aos preceitos da Constituição. Estes imperativos universais e constitucionais, associados sempre, aos processos históricos, políticos e sociais, que lhes consolidaram como garantias, que constituem a base legal, da Lei 11.340 de 2006, denominada e não por mero acaso como Lei Maria da Penha.

A Convenção de Belém do Pará é o primeiro instrumento internacional de proteção dos direitos humanos a reconhecer de forma enfática, a violência contra a mulher como um fenômeno generalizado, que alcança, sem distinção de raça, classe, religião, idade ou qualquer outra condição, um elevado numero de mulheres. A convenção afirma que a violência contra a mulher constitui grave violação aos direitos humanos e ofensa a dignidade humana, sendo manifestação de relações de poder historicamente desiguais entre homens e mulheres. [...] A luz desta definição, a violência contra mulher é concebida como um padrão de violência especifica baseado no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico a mulher. (PIOVESAN, 1998, pg. 147)

É neste escopo jurídico que surge a Lei Maria da penha, que vem justificada a partir da realidade de violência que estão submetidas às mulheres brasileiras, e que sua finalidade está caracterizada por dispensar tratamento desigual às situações que tenham natureza na desigualdade. Afinal a constitucionalização do princípio da igualdade remete ao cabimento de tratamento igual aqueles que estão em mesma condição e o diverso deve ser compreendido como verdadeiro aprofundamento das desigualdades.

Invoca-se a igualdade entre homem e mulher que está na Constituição, para questionar a constitucionalidade da lei Maria da penha. No entanto, ela veio exatamente para atender o desígnio constitucional. Não há nada mais desigual do que tratar igual os desiguais. A única forma de implementar a igualdade é enxergando a diferença, diferença até hoje invisível em relação á violência doméstica. Há outro fato. Esta é uma lei afirmativa e, como tal, dispõe de público determinado. Trata-se de um microssistema construído pelo gênero da vitima: ser mulher. Assim confesso que não consigo visualizar qualquer mácula de inconstitucionalidade neste diploma legal. (DIAS, 2006).

O desafio com a consolidação da legislação especial no ordenamento nacional é identificar pela experiência no plano concreto, seu grau de eficácia e aplicabilidade. Neste sentido, a análise dos institutos processuais da própria lei e subsidiariamente do Código brasileiro de processo penal e de processo civil, podem ensejar reflexões uteis sobre sua capacidade em promover uma realização adequada das previsões legais, no sentido de atender as finalidades que se deseja que esta legislação traga a vida das mulheres.

II. A LEI MARIA DA PENHA NO AMBITO PROCESSUAL PENAL

Indispensável abordar a Lei Maria da Penha, no aspecto penal, haja vista que, o espaço de incidência, tem como ultima medida, este ramo do direito. Contudo, não se pode desconsiderar que os aspectos processuais, implicam uma analise das questões de procedimentos, de outras áreas do direito, considerando o caráter hibrido de tal normatização. Aqui o objetivo é tratar dos aspectos processuais na esfera penal, em especial no que se refere à competência e aos procedimentos de aplicação das medidas protetivas que são instrumentalizadas por esta legislação.
No que se refere à competência, a Lei Maria da Penha, prevê a criação de Juizados Especiais de Violência Doméstica, estes cumulariam as matérias civis e penais, que contenham na demanda a incidência da violência doméstica. Disso decorrem duas questões importantes: a capacidade de estabelecimento deste subsistema institucional , e a superação dos Juizados Especiais da Lei 9099 de 1995, para atender as causas fundadas na violência qualificada pela Lei Maria da Penha.
A indicação de criação dos Juizados Especiais de Violência Doméstica demonstra a nítida opção do legislador em afastar o tratamento desta modalidade de violência no âmbito do Juizado Especial regido pela Lei 9.99/95. Intenção esta que vem expressa na própria lei em seu artigo 41: “Aos crimes praticados com violência doméstica ou familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei 9.9099, de 26 de setembro de 1995”.
Tal definição considerou a realidade da abordagem destas demandas no espaço dos Juizados Especiais, que até 2006, lhes apreciava como crime de menor potencial ofensivo. De modo que, a solução dos conflitos de violência doméstica era caracterizada por sanções incapazes de romper os ciclos de violência que os sujeitos envolvidos estavam submetidos. Assim, o repúdio a pratica corrente nos Juizados Especiais Criminais, foi de dimensão tamanha, que no texto da Lei, em seu Artigo 17, o legislador proíbe expressamente a aplicação de pena alternativa, na forma de cesta básica. No que pese a ausência de técnica legislativa do referido texto, a finalidade dele foi reconhecer que do ponto de vista, da eficácia social, a conduta empreendida nos Juizados Especiais Criminais, acabou por banalizar o tratamento dado as situações de violência na esfera jurídica.

Os Juizados Especiais Criminais, criados pela Lei 9099/95, significaram uma verdadeira revolução no sistema processual penal brasileiro. Uma justiça consensual possibilita a aplicação de pena mesmo antes do oferecimento da acusação e ainda antes da discussão da culpabilidade. As medidas de despenalizaçao, bem como a adoção de um rito sumaríssimos, buscam a agilização no julgamento dos delitos de pequena potencialidade ofensiva, levando ao desafogamento da justiça comum. Uma maior celeridade na tramitação das ações – impedindo, por conseqüência, a ocorrência da prescrição – empresta uma maior credibilidade ao Poder Judiciário. [...] Trata-se de uma verdadeira transação penal, da qual a vitima não participa. Este contexto está contribuindo para que se chegue a um alarmante nível de violência, que só agora vem despertando a atenção de todos. Assim, não se pode deixar de concluir que a Lei veio na contramão da história. Ao desburocratizar a Justiça Criminal, acabou mais uma vez por sacrificar a mulher. (DIAS, 1999).

De outro modo, o afastamento das causas oriundas dos processos de violência doméstica, dos procedimentos do Juizado Especial Criminal, ao mesmo tempo em que, buscou atender um clamor de importantização de tais demandas, desconsiderou os princípios do Juizado Especial organizado pela Lei 9.099, fundamentais para o tratamento célere que se exige para esta modalidade de violência.
De toda sorte, a divergência sobre a desconsideração dos Juizados Especiais para o tratamento da violência doméstica, continua sendo divergência na doutrina. De forma que, uma análise mais racional das diferentes posições pode conduzir a uma noção de limitação quanto à eficácia da tutela a mulher processada pelo rito processual comum. Comprometendo em algumas situações inclusive a sua segurança de forma mais imediata. Outrossim o afastamento da incidência do Juizado Especial Criminal, mantém a necessidade de observação das condutas dos operadores do direito, na medida em que, não há garantias de que estes não venham a reproduzir a banalização da violência domestica, já reconhecida no âmbito do Juizado Especial Criminal, em outras instancias jurisdicionais.
Todavia, a prática jurídica, nestes quatro anos de interpretação e aplicação da Lei Maria da penha, já vem construindo respostas a determinadas questões que ficam latentes na apreciação dos casos concretos. Neste sentido, ao passo que os crimes saíram da competência do Juizado Especial, as contravenções enquanto, classificação de infração penal não igualmente taxativas no Artigo 41 da Lei 11.340, mantém-se, portanto, na esfera de competência dos Juizados especiais criminais.
Esta é a elaboração do I Fórum Nacional de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher (FONAVID), realizado em 2009, através do Enunciado número 8 , que convencionou a orientação de que o Artigo 41 da Lei Maria da Penha, não se aplica a contravenções. Outros indicativos de ordem processual são identificados entre os Enunciados do I FONAVID, entre eles destacam-se:
Enunciado n. 6: que trata da possibilidade de aplicação de penas substitutivas previstas no Código Penal, restringindo a previsão da Lei Maria da Penha apenas aquelas penas alternativas que ela trata expressamente: cesta básica e multa de forma isolada; Enunciado n. 10, que permite a aplicação da suspensão condicional do processo quando for cabível; Enunciado n. 7, que permite a aplicação do SURSIS, previsto no Artigo 77 do Código Penal.
Na abordagem sobre competência, a Lei Maria da Penha, ao afastar a incidência do JECRIM, propõe a criação de Juizados Especiais de Violência Doméstica, que reúne competência civil e criminal, logo, desafia a criação de um subsistema especial, abrangente de demandas que até então se dividiam entre as varas criminais e de família. A instalação destes Juizados vem ocorrendo gradativamente, onde se justificam conforme a realidade local. Assim, são processadas pelas varas criminais as demandas em cuja localidade, não for viabilizada esta instancia especial de violência doméstica, com ênfase as medidas protetivas de urgência. E conduzidas às varas de família, as questões que a elas forem pertinentes.
Afora estes elementos, importante analisar que as medidas cautelares, interpostas para concessão de medidas protetivas, seguem o rito amparado pelo Código Civil, o qual exige o ajuizamento de uma ação principal no prazo de 30 dias . Tais ações serão processadas e analisadas pelas varas de família, como apropriadamente trata o enunciado número 3 do I FONAVID. Não obstante, tem prevalência sobre a competência dos Juizados Especiais de Violência Doméstica, a soberania constitucional concedida ao Tribunal do Júri , que é peremptório nos julgamentos dos crimes dolosos e contra vida, desconsiderados se praticados sob a égide da violência doméstica, ou não.
Ao tempo em que a Lei Maria da Penha veio redimensionar as instancias de tratamento das demandas decorrentes de violência domestica, ofertou um conjunto de instrumentos de intervenção imediata, que visam estancar as manifestações de violência. As denominadas medidas protetivas, ficam à mão do aplicador do direito e da própria ofendida, adequando sua medida de aplicabilidade a situação concreta, considerando a intenção de cessar tal violência sobre a vítima. Sendo através delas que se pode evidenciar meios de efetividade da referida legislação.
Conforme balanço, apresentado pelo Conselho Nacional de Justiça, até novembro de 2008, (o qual compreende dois anos de vigência da Lei Maria da Penha) tramitavam na Justiça 150.532 processos, destes 41.957 decorrentes de ação penal e 19.803 de ações cíveis. Sendo que do total apresentado 78.829 foram sentenciados e destes 2,4% tiveram efeitos de detenção do agressor. No mesmo período em que se contabilizou 150.532 processos de violência doméstica, foram concedidas 19.400 medidas protetivas. No Rio Grande do Sul através do Cadastro de Violência promovido pelo Ministério Público Estadual , identificam-se um total de 11.361 processos registrados, entre as Medidas protetivas concedidas, destacam-se: a proibição de aproximação do agressor a vítima, concedidas em 5.233 (46%) dos casos; da proibição de aproximação, com 4.628 (40%) de medidas concedidas; seguidas da medida de afastamento do agressor do lar, que totalizam 3.225 medidas concedidas, correspondentes a 28,4% dos casos registrados.
Percebe-se na pesquisa, também, que perfil da violência que moveu a estrutura judiciária fundadas na condição de gênero, nestes últimos três anos, consolida as pesquisas que foram pauta de denúncias acerca do quadro de violências que elas estão submetidas. Reiteram que as agressões desencadeadas contra a mulher ocorrem majoritariamente no âmbito doméstico (dos 11.365 casos sistematizados no rio Grande do Sul , 8.783, 77,3% ocorreram na residência); e que tem como sujeito ativo, o companheiro ou marido (dos casos registrados, 4.611 foram de ameaça contra ex-esposa ou companheira o que corresponde a 40,6%; seguido de lesões corporais contra ex-esposa ou companheira, que totaliza 3.228 dos casos, equivalente a 28,4%.
Preliminarmente é possível visualizar que a finalidade que vem sendo dada aos institutos punitivos da nova Lei, não são aqueles que reduzem a liberdade do agressor, e sim, as medidas que dialogam com a necessidade de estancar processos de violência. Neste sentido, as medidas protetivas, são eficazes quando induzem uma perspectiva de realização da Lei e tem se mostrado como possível resposta a proteção buscada pelas mulheres quando leva suas demandas a esfera jurisdicional. Onde o caminho de resolução de conflito está em maior medida, residindo em uma atuação do Estado, como força de mediação de um conflito e ponderação de interesses, onde se podem construir parâmetros de gradativo rompimento de ciclos de violência.

CONCLUSAO


A validade da Lei Maria da Penha se justifica a partir de dois elementos. Primeiramente, na constatação de que dentro do arcabouço normativo vigente, não se efetivou a promoção da dignidade de um grupo especial de sujeitos: as mulheres. De modo que, disso decorre a necessidade de provocar esta eficácia a partir de instrumentos que tratem desigualmente, estes que não estão em igualdade de condições que outros segmentos sociais.
Segundo elemento de justificação é a necessidade de que os problemas decorrentes do fenômeno desta violência sejam assumidos, como de interesse coletivo através de uma atuação na esfera pública das relações sociais, encerrando por vez, o insistente caráter privado que se deu a estas manifestações durante largo período histórico.
Os procedimentos inovadores trazidos pela Lei Maria da Penha, ensejaram uma mobilização prática e intelectual em determinados aspectos, desafiando os operadores do direito a uma multidisciplinaridade, integrando e superando a rigidez que separa os diferentes ramos do direito, seja no aspecto material e processual. Assim, passados quase cinco anos de sua vigência a prática interpretativa e de aplicabilidade, já vem construindo respostas e alternativas as iniciais e importantes polemicas em torno de determinados aspectos apresentados por tal legislação.
Soluções estas que, só são possíveis, perante a realidade dos casos levados as jurisdições competentes. E que podem gozar de validade, na medida em que, se tornam capazes de atender teleologicamente a existência da Lei Maria da Penha. Deste modo, a interpretação e aplicação que vem do espaço jurisdicional serão eficazes quando realizarem dentro dos limites normativos, sua parte para administração dos conflitos de violência doméstica, como colaboração ao rompimento dos ciclos de violência. Para tanto, a aplicabilidade da Lei Maria da Penha, vem demonstrando a partir das medidas protetivas, seu potencial de produzir eficácia e legitimidade social.
Resta afirmar, que o transito da competência dos juizados especiais da Lei 9.099 de 1995, por si só, não garante a importantizaçao que esta modalidade de violência requer dos operadores do direito. Igualmente, há que se avaliar permanentemente a capacidade dos procedimentos comuns, atenderem as exigências de celeridade e prontas respostas aos conflitos caracterizados na violência doméstica, sob pena de fazer suas vitimas, duplamente afetadas.
Ademais, não se pode olvidar que a superação dos ciclos de violência doméstica e familiar contra mulher, dada sua natureza fundada na desigualdade de gênero, requer muito mais que uma solução normativa. Dito de outra forma, a existência da Lei Maria da Penha, no que pese ser um avanço para as condições de vida das mulheres, não é um fim em si mesmo. Mas é um instrumento, indispensável que associado a outros requisitos que se relacionam as práticas sociais, nos coloca no caminho de superação desta forma especifica de violência, que é sem dúvida um impedimento às mulheres a uma experiência de vida digna e livre de opressões.


**Sirlanda Selau, academica da Faculdade de Direito da Escola Superior do Ministério Público RS

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Um comentário:

  1. AMEI SEU BLOG VAI LA NO EU TBEM SOU BEM ÁCIDA QUANDO QUERO KKKKK
    SHOW
    ABRAÇAO

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