quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Reflexões sobre autonomia e poder

O direito ao aborto, discutido em diversos sentidos, necessariamente remete a questão de autonomia das mulheres sobre a sua própria vida, e isto é inevitável. É por tratar de relações de poder, que se constitui como uma pauta polemica, e uma das que mais evidencia as brutais relações de opressão que se exerce sobre as mulheres. Portanto, querer tratar da questão do aborto, sem afirmar que este só será legal e seguro para todas quando o Estado assumir que autonomia é um direito inerente a pessoa humana, é desconsiderar o nexo, que justifica e fundamenta a necessidade da legalização dos métodos abortivos.
O movimento feminista trouxe ao debate público a questão da autonomia das mulheres, como cerne para um processo de transformação que desconstruísse as relações de opressão, fazendo iguais e livres, ambos os gêneros. Mas este não pode ser compreendido como um conceito que reclama somente o interesse de um grupo social. A questão da autonomia permeia o conjunto de interesses que compõem as relações sociais e por isso, deve ser incorporada como uma garantia conquistada pela humanidade, na realização da paz social e da dignidade coletiva.
No Brasil, embora a realidade demonstre que milhares de mulheres praticam aborto, e que grande parte delas sofre as conseqüências, pagando não raramente, com a própria vida, a penalização do aborto segue tratada a mãos fortes. Com o acumulo de diversos retrocessos, nas ultimas décadas, onde tem destaque a rejeição do Projeto de Lei que retirava a criminalização do aborto, em 2008, e mais recentemente a condução dada ao Plano Nacional de Direitos Humanos; a pauta trazida pela apreciação do estatuto do nascituro; e o proposto cadastro obrigatório das mulheres grávidas.
O que nos apresentam é que a posição sobre a autonomia como elemento que justifica a legalização do aborto, é uma concepção das relações de poder, a partir do olhar feminista, e não pode ser adotada pelo Estado. No entanto, escondem que a pressão da Igreja Católica e das estruturas patriarcais, é nada mais que também uma concepção das relações de poder, onde a mulher sempre estará subjugada. É por isso que a questão do aborto deve ser pontuada, a partir da autonomia, pois o que está em jogo, são as relações de poder que se estabelecem na sociedade.
Esconder o real debate na questão do aborto permite obscurecer os interesses que acabam prevalecendo e condenando milhares de mulheres. Permite passar incólume o poder que é exercido para condicionar a vida delas. Ao mesmo tempo em que, demonstra toda a incapacidade do Estado laico, em ser uma realidade, e não meramente uma promessa. É neste lastro que as forças conservadoras, recrudescem seu domínio e aprofundam as relações desiguais, mantendo também a partir do controle dos corpos das mulheres, os seus interesses e mecanismos de poder. Posicionar-se no debate sobre o aborto, neste sentido, é manter a hipocrisia e um obstáculo entre as mulheres e seus direitos.
É pela relevância que carrega o conceito de autonomia, que o aborto, sua legalização ou penalização, torna-se uma questão estratégica. Pois na medida em que as mulheres conquistam autonomia, alteram as relações de poder impostas. E isto não é interessante para quem domina. Portanto e em essência o debate sobre o aborto é uma questão sobre poder, sobre autodeterminação, sobre conciliação de interesses opostos, e finalmente: autonomia.
Os que se filiam a invisibilidade do debate sobre a autonomia das mulheres, estão colaborando para que o poder de construir uma trajetória de vida, para as mulheres, não esteja nas mãos delas; mas nas mãos e a serviço dos interesses dos que fizeram ao longo da historia a trajetória das mulheres como um destino fadado à dominação, a exploração e a desigualdade.

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